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terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

LARGUEM OS ARTISTAS

Engana-se quem quer quantificar o quilate de um artista. Um poema pode salvar uma vida, um livro já fez isso. Como medir essa qualidade? Não temos que exigir nada dos artistas senão sua arte, que já é mais do que o necessário nos dias tétricos que vivemos, desde que o mundo é mundo. Já disse um deles que “A tristeza é senhora. desde que o samba é samba é assim. A lágrima clara sobre a pele escura. A noite e a chuva que cai lá fora. Solidão apavora. Tudo demorando em ser tão ruim. Mas alguma coisa acontece, no quando agora em mim. Cantando eu mando a tristeza embora.” Você entende o que o poeta disse? ou está perdido nos números ou na solidão do seu trabalho de sobrevivência, assim como eu? Que tralha de felicidade política é essa que as pessoas querem? A maioria nem sabe o que quer. Fala-se de paz, onde ela mora? Em que País, em que cidade, em que território ocupado? Paz, sim, eu vejo quando entro no mundo dos artistas. Lá sim, existe paz. Nada deve ser mais próximo do Divino do que a inspiração suada de um artista ao concluir uma grande obra. E tenho cá com meus botões que nenhuma obra prima é assim vista, mesmo depois de entregue ao mundo. Sofre o artista por querer se dar mais e mais. Querer ser melhor entendido. Falo do artista, não dos arremedos ou dos competidores ou dos cofres ambulantes. Falo do artista que nasceu com a missão de trazer momentos de paz e desacelerar esse mundo bisonho, perdulário, bêbado, competidor, escuro. Não que eu esteja querendo mais do mundo. Ele foi feito para ser assim e assim o é para nosso próprio bem. Para, nós, ostras,  aprendermos a produzir pérolas para um dia enfeitarem nossas janelas,  e sabermos contemplá-las sem mercantiliza-las. Engana-se o desprovido de ideias ao querer comparar os artistas com os outros habitantes do planeta. Eles sim tiveram que fazer isso e imagino como deve ter sido pesaroso para Fernando Pessoa ter sido editor, publicitário, ou Drummond,  editor, astrólogo,  jornalista, empresário. Manuel Bandeira não concluiu arquitetura por motivo da tuberculose, doença que o fez sofrer por toda uma vida. Guimarães Rosa, o grande poeta da prosa,   exerceu a medicina, Vinícius foi diplomata, assim como João Cabral de Melo Neto. Muitos não aguentaram como Pedro Nava, Florbela Espanca, Ernest Hemingway. Colocaram o ponto final, eles mesmos. Fiquei impressionado com a morte de um ator pouco conhecido, o americano Nick Santino, que pressionado pelos vizinhos, diante do barulho dos latidos do seu cachorro, e a insistência das reclamações, transtornado, matou o cão e se matou em seguida, deixando um bilhete que dizia  "Hoje eu traí e matei meu melhor amigo. Rocco confiou em mim e eu falhei com ele. Ele não merecia isso.” Eles, meus amigos, os artistas,  vivem em um outro mundo, alheios aos apatetados que levam a vida a olhar o umbigo vizinho, juntar dinheiro para ter uma vida que nunca terão e competir. Ou aliás, apenas competir. Essa vida da sobrevivência nos coloca muito distante de entender quem é nobre em uma arte. Os artistas se conhecem, se interagem, Drummond gostava de Chico Buarque, se deleitava com suas músicas. Quem é política para se meter nisso, é pequeno demais. Irrisório, insignificante. Como deve ser triste a vida desse Noblat, Miriam Leitão,  ou um artista que não se deu conta do artista que é e se envolve nas pantomimas de explicar o que no fundo, as pessoas já sabem desses políticos e dessa vida modorrenta que a gente vai levando, ‘que a gente vai levando, a gente vai levando essa vida’. Eles não. Eles sabem rir. Ou não tem medo de morrer. Então, deixem os artistas quando se lembrarem do ato ignóbil, pernicioso e corrupto da política. Deixem eles escolherem o que eles quiserem porque talvez em uma cena, uma música, um poema, uma dessas pessoas que a mídia massacra por migalhinhas, tenha feito mais pela humanidade do que nós faríamos em dez vidas, apontando erros e competindo. Nós, ridículos, querendo ser melhor que o pior. Esdrúxulo. É quase impossível alguém que vive aqui nesse nosso lado tedioso, entender como os artistas vivem. Eles estão vivendo para o nosso próprio bem. Para termos uma sombra no calor insuportável dessa vida, ou uma lareira no frio de doer os ossos. Nesse terreno tenebroso, são eles que trazem um riso, uma leveza, um conforto, um momento de felicidade. Mesmo que sejam três minutos de música, uma hora e meia de peça teatral, ou cinema; um poema que nos revela a alma. Larguem os artistas porque eles já nos largaram há séculos e deixaram sua alma em nós.

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